Por meio de ações de assistência técnica e extensão rural (Ater) executadas pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), 26 comunidades quilombolas reconhecidas no Estado de São Paulo foram beneficiadas, onde cerca de duas mil famílias estão colhendo renda, emprego, sustentabilidade ambiental, resgate cultural e melhores condições de vida
Em um tempo em que os avanços tecnológicos se multiplicam em uma velocidade vertiginosa, palavras como tradição parecem estar localizadas em um passado distante. Entretanto nada é tão atual quanto falar da importância das comunidades tradicionais, entre as quais as quilombolas no meio rural, no momento em que produção agropecuária e preservação ambiental são as diretrizes para o desenvolvimento rural sustentável.
Neste dia 20 de novembro, data separada para celebrar a Consciência Negra (que se tornou feriado nacional em 2024), como órgão de assistência técnica e extensão rural da Secretaria de Agricultura, a CATI exalta o trabalho iniciado com o Projeto Microbacias II – Acesso ao Mercado (finalizado em 2018), cujas ações têm sido continuadas junto às comunidades quilombolas, visando fortalecer, a cada dia, as associações desses produtores rurais.
Mas quem são os quilombolas? Segundo a literatura ligada ao segmento, esses grupos conhecidos como comunidades remanescentes de quilombos são constituídos por descendentes de africanos negros escravizados que, no processo de resistência à escravidão, originaram grupos sociais que ocupavam um território comum e compartilhavam características culturais. Se originalmente os quilombos se mantinham isolados da sociedade, atualmente a situação está se modificando pela luta das comunidades e, em São Paulo, com apoio de diversas ações, eles têm conquistado transformações sociais e econômicas.
“O Dia da Consciência Negra deve ser lembrado como um dia de reflexão da luta pela igualdade racial. Como extensionistas, entendemos que há a necessidade pelo poder público do emprego de políticas afirmativas visando tratar com equidade os diferentes públicos. Nesse contexto, um grande exemplo foi a execução do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável – Microbacias II – Acesso ao Mercado, no âmbito do qual as associações quilombolas participaram em condições específicas, o que possibilitou o desenvolvimento de projetos que trouxeram e ainda trazem excelentes resultados nas esferas social, econômica e ambiental, aliados à vida com dignidade em seus territórios”, pontua Marcia Moraes, socióloga do Departamento de Extensão Rural (Dextru)/CATI, que atuou diretamente com as comunidades quilombolas, ao longo do desenvolvimento do Microbacias II, na área de organização rural.
Segundo João Brunelli Júnior, engenheiro agrônomo responsável pela coordenação técnica do Microbacias II, desde o início das ações de Ater com as comunidades quilombolas, a CATI entendeu que a parceria deveria ser a tônica para a construção de um trabalho que refletisse os anseios das comunidades, respeitando suas características. “Por isso, nos reunimos com atores de todos os segmentos ligados ao seu contexto, como a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), responsável direta pelas ações com essas comunidades em São Paulo; o Departamento de Cooperativismo e Associativismo, da Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios (Codeagro)/SAA; e entidades como o Conselho Estadual da Comunidade Negra, prefeituras e outras, para entender o universo e a realidade desses povos tradicionais e ouvir suas lideranças quanto às necessidades e expectativas, visando desenvolver o trabalho em parceria”.
Entre as ações de Ater executadas pela CATI, ganharam destaque as realizadas pelo Projeto Microbacias II, fruto de parceria entre o Governo do Estado e o Banco Mundial. Ao todo, foram investidos pelo Governo paulista mais de R$ 11,5 milhões, em 26 comunidades quilombolas, que executaram 78 projetos comunitários, os quais primaram pela sustentabilidade, pela melhor competitividade dos produtos e pelo estímulo às manifestações culturais.
“O Projeto fortaleceu a identidade, respeitou as origens culturais, valorizou as tradições e promoveu o desenvolvimento econômico de acordo com os valores de cada comunidade. O apoio à produção proporcionou melhorias nas atividades agrícolas, favorecendo a consolidação de algumas comunidades como unidades produtivas e viabilizando a comercialização de produtos com qualidade, em cadeias como as da fruticultura, principalmente a da banana; olericultura; maricultura; e do palmito pupunha, com ênfase nos sistemas de produção orgânico e agroflorestal”, explica Marcia, complementando: “As ações de Ater e os recursos do Microbacias II também possibilitaram o investimento nas tradições culturais com a construção de centros comunitários; aquisição de instrumentos e vestimentas para resgatar e/ou preservar danças e cantos ancestrais; e investimento em logística para alavancar o turismo comunitário e cultural, entre outras ações”.
Quilombos do Vale do Ribeira: emancipação, renda, emprego, qualidade de vida e resgate cultural
Das 26 comunidades beneficiadas pelas ações da extensão rural ao longo dos anos, 23 estão localizadas no Vale do Ribeira, em uma área abrangida pela CATI Regional Registro.
“O Projeto Microbacias II representou um avanço significativo dos trabalhos de assistência técnica e extensão rural da CATI junto às comunidades tradicionais, especialmente as quilombolas do Vale do Ribeira. Destaco como pontos positivos do programa a elaboração, de forma participativa e ativa das comunidades, dos Planos de Etnodesenvolvimento, bem como a realização do repasse de recursos diretamente para as associações quilombolas e para a Cooperativa de Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira, a Cooperquivale. Isso fortaleceu o empoderamento das comunidades, garantindo sua participação efetiva na tomada de decisões e nas prestações de contas. Como resultado, observamos um fortalecimento dos laços comunitários, promovendo uma união que valoriza o patrimônio cultural e as tradições quilombolas. Além disso, o programa contribuiu significativamente para a geração de renda, possibilitando que as comunidades desenvolvessem atividades produtivas sustentáveis e melhorassem suas condições de vida. Para além do Programa Microbacias II, o trabalho da CATI, em parceria com diversas entidades, tem sido fundamental para ouvir e atender às demandas dessas comunidades, celebrando um futuro onde as tradições quilombolas sejam preservadas e honradas” comenta Taís Cristina Canola, diretora da CATI Regional Registro.
Taís Cristina Canola, diretora da CATI Regional Registro, e o engenheiro agrônomo Rogério Haruo Sakai visitam o produtor e artesão Misael Lima dos Santos e sua esposa no Quilombo Cedro.
Taís destaca ainda que, atualmente, a Regional, em parceria com o Itesp, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, apoia projetos de cafeicultura, cacauicultura e turismo rural em comunidades quilombolas da região, especialmente nos municípios de Barra do Turvo e Iguape. “Outra atuação importante da nossa instituição é o suporte em orientações sobre procedimentos administrativos e burocráticos, garantindo a regularidade das organizações rurais dessas comunidades”, explica, informando que, recentemente, extensionistas da unidade realizaram uma visita técnica em alguns quilombos que contam com áreas de cacau que não estão em atividade, para orientar o manejo, visando à retomada da cultura no âmbito do Programa Cacau SP, bem como para a formação de uma trilha para desenvolvimento de turismo rural.
Visita técnica em áreas de cacau no Quilombo Aldeia em Iguape
Comunidades receberam embarcações
E é do Vale do Ribeira que vem um depoimento emocionado, de quem tem vivenciado, com muita consciência, os frutos do trabalho da CATI e do Microbacias II.
“Tudo o que conquistamos com os recursos do Microbacias II trouxe uma nova esperança para que os mais jovens possam continuar na nossa terra, cuja regularização foi conquistada com muita luta. Construímos o nosso centro comunitário em módulos de contêineres, pois assim teremos espaço para diversos ambientes, voltados para toda a comunidade: sede da associação, biblioteca e local de estudos, cozinha comunitária, banheiros e salão para festas. O trator e os implementos facilitaram o nosso trabalho na produção de pupunha, pois antes, quando precisávamos carregar a produção, tinha que ser na cabeça ou em lombo de animal. Muitos que saíram da comunidade estão vendo uma oportunidade de voltar e ficar (e alguns já voltaram); e quem permaneceu tem a certeza de dias melhores, com mais renda e qualidade de vida. Por isso, digo aos jovens: ‘Essa foi (com o Microbacias II) e é uma oportunidade que não podemos deixar passar (com o apoio contínuo e a execução de políticas públicas), portanto estudem e trabalhem para ajudar a comunidade a crescer e se fortalecer cada vez mais. Nós, os mais velhos, fizemos isso, honrando os nossos antepassados e vocês devem continuar para manter vivas as tradições e o modo de vida quilombola”, Edvina Maria Tié Braz da Silva, a dona Diva, integrante da comunidade e da Associação de Remanescentes de Quilombo do Bairro Pedro Cubas de Cima, localizada no município de Eldorado, ligado à CATI Regional Registro.
Dona Diva celebra a construção do Centro Comunitário
Por que 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra?
O Dia Nacional da Consciência Negra foi estabelecido em referência ao dia 20 de novembro de 1695, data da morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, que se localizava na Serra da Barriga, atual Estado de Alagoas, o qual se tornou símbolo da resistência negra e da luta pela liberdade.